DA VAGA DE SALA - Especial IndieLisboa
Wind, Talk To Me, de Stefan Djordjevic: perdido na procura do luto
A morte, o luto e o seu exercício, a casa - uma vez mais. É mesmo caso para dizer que não há duas sem três: depois de 'Sob a Chama da Candeia' (2024), de André Gil Mata, e de 'Somos Dois Abismos' (2025), de Kopal Joshy, o terceiro filme consecutivo que vejo numa sala de cinema volta a mergulhar-me no tema do luto, feito por aquele(s) que ficam - Wind, Talk To Me (2025) [Vento, fala comigo], do sérvio Stefan Djordjevic, ontem na Culturgest, na Competição Internacional do IndieLisboa, foi o filme responsável pelo prolongar dessa sequência. Mas se André Gil Mata, em 'Sob a Chama da Candeia', entrega a duas atrizes experimentadíssimas - Eva Ras e Márcia Breia - a responsabilidade de dar corpo e alma, sobretudo, e alguma voz, à falecida avó do realizador e à fiel empregada de uma vida na casa de família; e se, em 'Somos Dois Abismos', Kopal Joshy dá espaço, tempo, palco e foco em absoluto ao viúvo Carlos, coadjuvado cirurgicamente pela própria Kopal; por sua vez, em Wind, Talk To Me, o jovem sérvio estreante em longas-metragens, que perdera a mãe a meio de um filme iniciado com a própria como protagonista - aqui há um curioso paralelo com 'Cativeiro' (2012), em que André Gil Mata perde também a avó (personagem do filme) a meio das filmagens -, assume ele (quase) toda a responsabilidade e (quase) todo o protagonismo: quer atrás, quer à frente da câmara. A acompanhar o realizador-ator-filho no filme, na história e na vida está a família Djordjevic - irmão, avós, tias, primos -, contribuindo de sobremaneira para a dispersão e desorientação: um filme que segue desgarrado, perdido, e sem rumo, na busca do luto.
A família Djordjevic reúne-se à volta de Stefan para ajudá-lo em duas frentes: remodelar a casa de campo da mãe, onde ela vivia, em comunhão com a natureza (em flashbacks vamos vendo as imagens que ele capturou da mãe, na fase final da vida), e para onde o realizador-ator-filho quer mudar-se; e terminar o filme sobre a mãe (originando assim alguns momentos de filme dentro do filme, sempre sem muita lucidez, e de forma algo atabalhoada). A presença da família até parece ter ajudado na remodelação da casa, onde os vemos em afincado trabalho e colaboração, mas quanto ao filme em si, atrapalham mais do que ajudam. Stefan Djordjevic não consegue explorar com o devido proveito o entorno da família para fazer disso uma corrente ou extensão do luto que ele está a viver, ou a procurar exercer. O avô encanta-se em ser um verdadeiro mestre de obras, com sábios ensinamentos aos pequenos e aos graúdos sobre construção; as tias são ausentes-presentes; os primos são demasiado pequenos para se debruçarem sobre tal; o irmão também passa quase despercebido; sobra a avó, acabada de celebrar o 80.º aniversário, para um abraço choroso, uma conversa sobre o vestido da mãe e um incentivo, ou então não. "Temos de esquecê-la", diz ela, mas Stefan quer precisamente o contrário: recordá-la.
A cadela em que o carro de Stefan embate na estrada, a quem ele tenta socorrer de imediato, sem sucesso, acaba por ser o elemento vivo que mais auxilia o realizador-ator-filho na sua procura do luto e, simultaneamente, na construção do próprio filme. A cadela, apelidada de Lija, foge à primeira, mas reaparece mais tarde, oportunidade única para Stefan se agarrar a ela como quem se agarra à vida. Cura-lhe a ferida, adota-a e, verdadeiramente, é na relação que estabelece com a cadela que Stefan encontra alguma luz no exercício do luto (da mãe). E quando a cadela Lija rasga e come os diários da mãe - quiçá apontando-lhe o caminho, para que ele siga em frente -, Stefan ralha com ela e esta acaba por fugir e desaparecer, outra vez. É pois na sua busca que se dá a melhor sequência do filme, já a caminho do seu término. Num esbelto plano geral, vemos a mãe de costas, mas de frente para o grande lago, e, uns metros mais atrás, está Stefan, como que a olhar para ela, a imaginar a presença da mãe ali; de repente, volta a cabeça para o lado direito e dá de caras com Lija, a cadela, uma segunda aparição, esta é real.
E o vento? A sua relevância na narrativa não resistiria a um grande sopro, digamos. É sobretudo uma espécie de senha para a felicidade que a mãe lhe transmitiu e que ouvimos no início e no final do filme.
Wind, Talk To Me, de Stefan Djordjevic (2025)
Visionado no IndieLisboa, Culturgest
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Wind, Talk To Me, de Stefan Djordjevic (2025)